Cidade

Diversão ou problema aos outros?

Tendência em Pelotas é de que casas noturnas terão que se adequar ao que diz o Código de Posturas do município

Jô Folha -

Uma decisão da Secretaria de Gestão da Cidade e Mobilidade deve colocar em alerta os proprietários de estabelecimentos, como casas noturnas, em Pelotas. O alvará da Boate Vênus Lounge Bar foi cassado pela prefeitura e abre discussão sobre o cumprimento do Código de Posturas do Município e sobre os Estudos de Impacto de Vizinhança (EIVs). Como pano de fundo, a emissão de ruídos e a distância mínima de 500 metros de ambientes como hospitais, asilos e casas de saúde. E embora o governo não fale em desencadear medidas de controle e fiscalização, é preciso atentar-se ao que dita a lei. O próprio Ministério Público (MP) pode - e deve - exigir ações do Executivo, que façam valer o previsto na legislação.

O secretário Jacques Reydams assegura que nenhuma outra situação conflitante teria chegado ao conhecimento da prefeitura. Mas, ao conversar com o Diário Popular, admite: “Se tu pensares em som, nós temos postos de gasolina, barzinhos, botecos (...) Nós teríamos dezenas ou centenas de atividades num raio de 500 metros de asilos, hospitais e casas de saúde”. E, embora afirme: “Com certeza, nós teríamos praticamente a cidade inteira inviável”, Reydams voltou a sustentar que nenhum outro caso teria gerado questionamento nos últimos tempos.

As situações que a comunidade considera abusivas podem provocar denúncia tanto às Secretarias de Gestão da Cidade e Mobilidade e de Qualidade Ambiental (SQA), quanto ao MP e à Brigada Militar (BM). E, mais: se a qualquer momento - mesmo antes das renovações de alvarás -, a prefeitura identificar possíveis irregularidades, pode repensar a sua própria posição. Foi o que ocorreu agora, com a cassação do alvará da Boate Vênus, realizada cerca de três meses depois da nova liberação para o funcionamento do local.

Polêmica no Impacto de Vizinhança e Justiça
O Estudo de Impacto de Vizinhança ocupa o centro das discussões. É o principal argumento para a Procuradoria Geral do Município ter determinado a interrupção das atividades. O entendimento foi de que a documentação - aprovada pela Comissão Técnica do Plano Diretor (CTPD), como prevê a lei em caso de dúvida - apresentava falhas; isto é, não garantiria a viabilidade de o estabelecimento permanecer de portas abertas na rua Gomes Carneiro, a aproximadamente 175 metros de distância do Hospital Beneficência Portuguesa.

O argumento, inclusive, consta em amplo material entregue por moradores da região à prefeitura, ao garantir que boa parte da área que obrigatoriamente deveria ter sido objeto do estudo deixou de ser considerada, nos cálculos do raio de 50 metros, para definir a vizinhança atingida pelo empreendimento.

A advogada da Vênus, Marcela Weiler, já encaminhou recurso ao Tribunal de Justiça do Estado (TJE) para tentar reverter a decisão. Em entrevista ao Diário Popular, ela criticou a atuação do Executivo, que teria cassado o alvará sem laudo técnico para rebater o estudo apresentado pela boate e aprovado pela CTPD. “É revoltante e complicado. Sabemos que tem questão pessoal envolvida”, resume, ao referir-se a um dos moradores que tem liderado o movimento contra a Vênus.

Palavra do magistrado
O juiz Luís Antônio Teles explica por que negou o pedido de liminar encaminhado pela Vênus ao Juizado Especial da Fazenda Pública, em Pelotas. “Quando se trata de Poder Público, todo o ato administrativo tem uma presunção inicial de legalidade e de legitimidade e não verifiquei, de imediato, ilegalidade ou abusividade no ato administrativo”, enfatiza. E esclarece: a revisão dos atos é absolutamente legal. Assim como a prefeitura concede alvarás, tem poder para revogá-los, se identifica alguma irregularidade.

O magistrado também destaca que, em juízo preliminar, é momento de fixar os pontos de controvérsia; isto é, identificar aspectos que terão de ser discutidos pelas partes. Neste caso, verificar se a distância mínima de 500 metros de hospitais deveria ser tratada de forma absoluta, independentemente de qualquer outra argumentação. “Por isso, em momento preliminar é melhor trabalhar com a questão do risco do que, numa decisão açodada, liberar o funcionamento.”

Diversão garantida
É sexta-feira, 10 de fevereiro. Pouco mais de 19h. Tempo nublado. Nada que impeça a movimentação da gurizada. “Aqui é o melhor espaço para divulgar festas. Aqui estão os principais bares e casas noturnas da cidade”, resume o estudante do 7º semestre da Faem, que conversa tranquilamente com o DP, mas prefere não ser identificado. E era exatamente o que fazia, mais uma vez: divulgava um carreteiro promovido pela Agronomia.

E com a experiência de quem frequenta o local pelo quarto ano seguido, o jovem de 21 anos conta que, à medida que o horário avança, avança também o teor alcoólico da gurizada, que eleva o tom de voz e vai tomando conta das calçadas e do meio da rua. Nas noites de maior agito - em geral terça, quarta e quinta -, sobra apenas um pequeno corredor para passagem de um carro.

“Mas nos dias de aula na Católica não trazemos caixa de som. Só trouxemos hoje (sexta) porque ainda não começou. Sabemos que o pessoal reclama do barulho. Realmente, deve ser difícil”, admite, acostumado ao ritmo do Campus do Capão do Leão.

O que eles disseram
- Pró-reitor administrativo da UCPel: o professor Eduardo Insaurriaga dos Santos vai direto ao ponto: “O que acontece aqui na frente é algo depreciativo da sociedade humana”, afirma, ao se referir aos diferentes tipos de abuso. Do burburinho ao uso de drogas. Para minimizar os efeitos, ainda este ano, a UCPel pretende instalar catracas no prédio da rua Gonçalves Chaves. Será estratégia para limitar o acesso, principalmente aos banheiros que, não raro, precisam de faxina minuciosa para eliminar rastros de urina e de vômito.
Quando o tema em pauta são as soluções, o pró-reitor aposta em um processo de conscientização, com resultados a longo prazo; ele sabe. “Precisamos de um trabalho desde a base, com envolvimento da família.” E aproveita para cobrar ações do Poder Público, que não se restrinjam a fiscalizações pontuais.

- Secretário de Segurança Pública: ao conversar com o Diário Popular na tarde de ontem, Tenente Bruno garantiu que o sossego aos alunos e professores da UCPel será prioridade. Uma reunião deverá tratar do que ele chama de movimento articulado entre diversos órgãos, como prefeitura - através da SQA, da Secretaria de Transportes e Trânsito, da Gestão da Cidade e Mobilidade e Guarda Municipal -, Conselho Tutelar, Brigada Militar e Polícia Civil. “Sabemos da necessidade de realizar essas ações com maior constância.”

- UFPel: ao se manifestar via Assessoria de Imprensa, a Reitoria da Universidade Federal assegurou: “É solidária aos gestores e à comunidade acadêmica da UCPel, que efetivamente têm razões para temer pela qualidade das atividades acadêmicas comprometidas pela referida aglomeração e está empenhada na busca conjunta de soluções para um problema que, em maior ou menor medida, afeta a muitas das instituições de ensino da cidade”.

O que diz a legislação
Código de Posturas do Município:
lei 5.832 - de setembro de 2011

Capítulo 7: Dos jogos, festas e divertimentos públicos
Artigo 56: As instalações para divertimentos públicos, como circos, parques de diversões e outros, que produzem ruídos, não poderão ser permitidas nas proximidades de hospitais, asilos e casas de saúde.
Parágrafo 1º: A distância mínima para os estabelecimentos é de 500 metros.
Parágrafo 2º: A critério do município poderá ser autorizada atividade próxima de escolas, desde que o horário de funcionamento desta não coincida com o horário de atividades escolares ou que o desenvolvimento da atividade possa ser compatibilizada.
Parágrafo 3º: Instalação das atividades para divertimento público, sem autorização do município: multa de 30 Unidades de Referência Municipal (URMs), que deverão ser recolhidas aos cofres públicos municipais em até 72 horas.
Parágrafo 4º: No caso de dúvidas quanto a possibilidade de desenvolvimento desta atividade, a administração pública, poderá solicitar Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), para liberar a atividade, sendo competente para análise a Comissão Técnica do Plano Diretor (CTPD).
Parágrafo 5º: Os estabelecimentos já existentes, que se encontram em desacordo com a legislação, terão um período máximo de cinco anos, a contar da publicação desta lei, para deixarem o local, após terão a licença de atividade cassada pelo órgão público competente.
O prazo, portanto, desde setembro de 2016, já se encerrou.

 

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